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Buffoniando

Fanon, psicologia e racismo

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Por Leandro (@leandrobuffon e @buffoniando)

Somos um país altamente miscigenado. Aliás, qual país americano não é? Nem mesmo os EUA é tão “puro” quanto pensa. A questão é que ser branco ou não em nosso continente é meramente uma questão de fenótipo, ou seja, de aparência externa, seguida de minimamente uma condição decente de vida. Somos uma região que nossa população foi construída com entradas imensas de africanos escravizados, levas de europeus, asiáticos em menor grau e um declínio absurdo de indígenas ao logo dos séculos. A africanidade pulsa em nossas veias amplamente mestiça.

Isso nos coloca numa condição complicada enquanto povo. Vergonha da presença africana na cultura e no DNA? De modo algum! A vergonha é de não termos uma herança reluzente da importância das contribuições de Luís Gama, André Rebouças, lemos muito poco Conceição Evaristo, Milton Santos e Abdias do Nascimento. Todos pretos e com grande relevância em nossa história e literatura. As imagens de Machado de Assis, que era negro, são branqueadas, assim como a de Castro Alves. E é aqui que entra a nossa reflexão para os dias atuais, Pele Negra, Máscaras Brancas. Escrito em 1952.

O autor da obra citada acima é Franz Fanon. Fanon nasceu na Martinica, área do Caribe que pertence à França. Sua formação acadêmica era em filosofia e psiquiatria. Em seu livro Pele negra, Máscaras Brancas, que na verdade era sua tese de doutorado que não foi aceita, mas ainda assim, sua importância era tão gigantesca que mesmo assim foi publicada. Fanon analisou o racismo instaurado na colonização da América, assim como o racismo e a escravidão, sendo que, mesmo com o fim da escravidão, a sociedade americana continuou reproduzindo o racismo, até entre os pretos. O autor argumentou que em uma sociedade em que os negros eram minorias, no cunho político, dominado por brancos que possuíam os melhores postos da sociedade na política e na economia, ainda que no pós-abolição, os negros agiam com violências verbais e até física com seus semelhantes, tudo para serem aceitos pelos brancos na sociedade. Pois, esse era o comportamento dispensado pelos brancos.

Fanon defendeu que essa dominação não era mais legal, no sentido jurídico como nos tempos da escravidão, mas era uma dominação psíquica. As suas mentes estavam ainda colonizadas. Entenda-se colonizada não no aspecto de exploração econômica, mas sim na imposição de um comportamento e crenças que agem na condução de uma prática desejada por quem domina. Máscara Branca é o que os negros utilizavam sob sua pele negra para serem aceitas na sociedade. A metáfora por si só já se explica. O desejo de se afirmar diante de um semelhante, mostrava nada mais do que um complexo de superioridade, com o objetivo de ser reconhecido pelo branco como um diferente do outro preto, alguém que tenha subido de nível e se encontra um degrau mais perto dos brancos, que “são superiores”. Uma verdadeira neurose Algo que é corroborado em textos de Machado de Assis que narra histórias em que aparece um preto liberto maltratando um ainda escravizado.

O autor ainda reflete como a experiência de estudar e se formar, principalmente fora do país, sobretudo em locais que não havia escravidão, fazia com que ao voltar para sua terra natal, esse negro não se observasse como negro. Pois, sua formação e experiência, em sua cabeça, era como se tivesse branqueado-o. Mesmo que fosse um ser exótico em outro local, ter convivido em uma outra terra e com brancos, fazia um efeito em sua cabeça (colonização psíquica) que o racismo vivenciado em sua terra natal por seus pares, não existiria para ele. Até que ele, como toda sua formação, era alvo do racismo independente da sua formação. A Máscara Branca caía e colocava em evidência a sua Pele Negra.

O comportamento, ou seja, o modo de agir no cotidiano era referendado por como a pessoa iria se vestir. O abandono de suas roupas de tradição africana e a aquisição de roupas europeias era apenas uma das formas de buscar a Máscara Branca. Uma forma de buscar a aceitação e inclusão social. Tal fato também está presente para o homem antilhano na adoção do idioma francês como forma de ingressar na humanidade e sair da selvageria, esse pensamento foi inculcado desde o nascimento. Analisa também a perda da subjetividade no que tange ao romance da mulher negra com o homem branco, que serve apenas como uma subalterna para satisfazer seus desejos sexuais, mas nunca para ser assumida como companheira de vida, pois não seria de bom tom para um homem branco. Essa situação criou inúmeros quadros de angústia e desalento para as mulheres. Homens e mulheres negros desejavam casar-se com brancos, devido isso ser uma ascensão social.

O texto é muito rico e a nossa missão aqui hoje é apenas lançar uma reflexão e a indicação de um texto formidável. Não temos a intenção de esgotar os assuntos do livro. Fanon é um intelectual de grande monta da história do nosso continente. Ler Fanon é ver no espelho características ainda presentes na nossa sociedade. Quando um aluno me questiona: como tantos escravos não resistiam a escravidão e o racismo? Respondo que sempre ocorreu resistência – e iremos abordar isso em outro texto – entretanto, muitos negros aceitavam sua condição de vida por causa de uma dominação psíquica. Aceitavam a escravidão e carregavam consigo desvalor, o que possibilitava ainda mais a dominação. Esse traço também saiu vitorioso após a abolição, pois para tentar ingressar na sociedade era preciso por uma Máscara Branca. Quem não lembra do Lattrel do filme As Branquelas? Esse personagem fictício ficou mais estarrecido em ver que a Branquela era um homem negro disfarçado do que não ser de fato uma mulher. Fanon explica muito bem isso: Máscara Branca. Lattrel não se via como negro por frequentar determinados lugares e possuir uma boa condição de vida. Ao ver um negro num evento de modas, seu espanto foi que ali não era lugar para um negro. Lattrel, Fanon já havia feito uma análise psicológica sua cinquenta anos antes.

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