Buffoniando
Samba é resistência
“Samba, a gente não perde o prazer de cantar
E fazem de tudo pra silenciar
A batucada dos nossos tantãs
No seu ecoar, o samba se refez
Seu canto se faz reluzir
Podemos sorrir outra vez
Samba, eterno delírio do compositor
Que nasce da alma, sem pele, sem cor
Com simplicidade, não sendo vulgar
Fazendo da nossa alegria, seu habitat natural
O samba floresce do fundo do nosso quintal…”
(Fundo de Quintal)
O Samba é nosso e isso ninguém tira! A presença e continuidade da africanidade no Brasil atravessa os séculos desde o século XVI, quando, juntamente com as capitanias hereditárias devido ao uso da mão de escrava. O catolicismo, religião hegemônica e instrumento de aculturação, tanto dos africanos e seus descendentes, assim como dos índios. A imposição cultural ocorreu, assim como a resistência e a manutenção das demais culturas, que chegam até hoje até nós como os contos de Saci e outros personagens do nosso folclore – aliás, esse nome foi dado para reduzir e minorizar a cultura popular -, assim como as religiões e o Samba. Sim Samba com S, pois é um patrimônio e um ser com vida própria.
Todo brasileiro cresceu com batuque, palavra de origem africana que significa dança ao som de percussão; chamando o outro de babaca, palavra de origem africana que significa tolo; gosta de uma bagunça, que significa baderna… mas que passou a ser sinônimo de festa. Quem é que não gosta de uma bagunça em família ou com os amigos?; não importa quem você seja, ganhar um axé (uma força espiritual, cai bem demais; quem nunca arrumou um banzé (confusão)? Ainda mais falando de futebol; quem não acumula bugiganga (objeto de pouco valor)? Poderia passar mais tempo falando da importância da herança dos africanos no nosso vocabulário, mas vou voltar pro samba.
O som potente dos atabaques e dos demais instrumentos de percussão, servia não apenas para ampliar o som para que todos, em uma certa distância pudessem participar. Mas também, sobretudo em épocas de escravidão, bater nos instrumentos de percussão era uma forma de minimamente aplacar a raiva e a ira que servidão forçada implicava. Bater nos atabaques ou tocar macumba (instrumento parecido com o reco-reco) era uma forma de descontar a violência sofrida diante dos açoites e aprisionamentos. Macumba passou a ser um nome pejorativo aos cultos das religiões afros no Brasil. Tá entendendo maluco? Pois é! Aqui no Rio de Janeiro, todo mundo chama um ao outro de maluco. É como se fosse um sinônimo de rapaz. Mas o que você não sabe, é que maluco é de origem africana e significa doido. Fala tu doido! É assim no Rio de Janeiro.
A escravidão aconteceu no Brasil, na América espanhola e no Sul dos Estados Unidos. No Brasil temos o samba; nos países que foram colonizados pela Espanha temos a zumba, salsa e merengue, com heranças da africanidade; Nos EUA, a herança negra está presente no jazz e blues, que foram bases para os demais estilos de presença marcada negra. Ué! Mas jazz e blues não tem atabaque! Não tem percussão! Realmente… possui muito piano, guitarra, baixo, saxofone e trompete. Os americanos podem se orgulhar de ter Nina Simone, Louis Armstrong, BB King, entre inúmeros outros imortais. Mas eles não possuem o Samba. A História pode explicar isso? Estamos aqui para isso.
No século XVIII, mais precisamente em 1739, ainda quando os EUA era uma colônia inglesa, na Carolina do Sul, um grupo de negros escravizados saíram pela rua gritando liberdade e retribuíram a violência aos brancos. Essa foi a primeira revolta escrava na região. Segundo os relatos, esses escravos entraram numa loja de armas, pegaram as armas e mataram dos trabalhadores brancos e ao sair dali, mataram um senhor de escravos e seus filhos. Num total, foram 25 brancos assassinados. Os que não foram mortos na troca de tiro, foram presos e penalizados com a morte.
Revoltados com todo esse banzé, as autoridades locais sancionaram o Negro Act (Ato Negro) de 1740. Essa Lei estabeleceu uma série de proibições aos negros como: aprender a ler e a escrever, usar boas roupas, se reunir em grupos, entre outros. Ficou vetado o uso de tambores, pois acreditavam que eles eram utilizados para os negros se comunicarem. Essa proibição logo s estendeu por todo território. No século XIX, depois da Guerra Civil Americana , essa lei foi revogada, mas ainda assim, os negros só podiam se reunir e com ressalvas na igreja. Os tambores ainda eram muito mal vistos pelos brancos, então, os negros improvisaram marcando suas músicas nas palmas, nas batidas dos pés e usando toda a sua potência vocal. Assim nascia o gospel americano. Passado os anos e chegando o século XX, os negros começaram a usar os instrumentos mais comuns nos quartéis, os de sopro. A capacidade e a genialidade dos afro-americanos fez surgir os gêneros citados anteriormente. Os gringos não tem Samba!! Não tem essa malemolência.
O Samba, sobretudo carioca, na época de Getúlio Vargas, passou por um processo de construção de símbolo nacional. Entretanto, ele foi branqueado. Foi preciso mudar um pouco a sua cadência e por instrumentos mais harmônicos e menos macumbado, ou seja, com menos instrumentos de percussão e mais cheio de cordas, violão. Posteriormente, nos anos 1950, criaram o samba à beira-mar. Um samba da Zona Sul carioca, que tem o seu valor e seus grandes nomes. Mas o Samba, o Samba de raiz, do terreiro… esse resiste. Resistiu ao branqueamento e suas percussões eram e são bem-vindas nos morros, nos terreiros, nos quintais sob a sombra de árvores, como a tamarindeira do Cacique de Ramos. João Gilberto já apontava:
Que a vida piora por causa do samba
Madame diz o que samba tem pecado
Que o samba, coitado, devia acabar
Madame diz que o samba tem cachaça
Mistura de raça, mistura de cor
Madame diz que o samba democrata
É música barata sem nenhum valor
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra quê discutir com madame?
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