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Buffoniando

As Igrejas e a escravidão

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O Papa Francisco pediu perdão, em nome da Igreja, pelos maus tratos praticados contra os povos indígenas canadenses por conta de uma série de abusos e assimilação forçada praticados entre o século XIX até o ano de 1970. Não foi a primeira vez que ele fez isso, pois em 2015 (no mesmo mês de julho) também pediu desculpas aos povos originários da América Latina pelos reflexos da colonização. Porém, isso não foi novidade, pois em 1992, um outro Papa também muito carismático, João Paulo II, fez o mesmo pedido de perdão. Curiosamente, o ano marcava os 500 anos do “descobrimento” da América. A diferença é que Francisco falou da dor e do sofrimento.

Não se engane, pois o título do texto não está equivocado. Sim! Iremos abordar sucintamente sobre a escravidão no Brasil e sua relação com as Igrejas. Ou seja, católica e protestante.

A presença protestante no Brasil não se deu a partir do XIX. Na verdade, o século citado marcou uma imensa entrada de denominações como presbiterianos, batistas, metodistas, etc., mas intensificação não possui o mesmo significado de introdução. O início da presença protestante no Brasil deu-se com a entrada de franceses com o objetivo de fundar uma colônia protestante, além de se estabelecerem no comércio do pau-brasil e o lugar escolhido para a fundação da França Antártica foi o Rio de Janeiro em 1555. Outra presença protestante no Brasil colonial ocorreu com a invasão dos holandeses em Pernambuco, que permaneceram de 1630-1654. Embora destoassem dos católicos sobre questões teológicas, os holandeses interessados nos negócios açucareiros, não apenas patrocinaram e investiram na produção do chamado “ouro branco”, mas também o fizeram com a aquisição e utilização de escravos como trabalhadores nos engenhos. Não só isto, os holandeses também controlavam pontos africanos em que se baseavam a venda de pessoas escravizadas.  Os ingleses – que eram anglicanos, ou seja, protestantes – atuaram de modo intenso no tráfico de escravos. Vale ressaltar que sua colônia americana surgiu com o povoamento de protestantes fugidos de perseguição e na parte sul das 13 colônias inglesas, predominou o trabalho escravo até o século XIX (já produzimos um texto falando sobre essa relação aqui na coluna).

Como somos fruto de uma colonização católica, temos muito mais relatos sobre as escravidões praticadas no Brasil (indígena e negra). Clérigos como José de Anchieta, Antonil, Vieira e Bartolomeu de Las Casas – no caso espanhol – já denunciavam as práticas da escravidão e como eram tratados os que sofriam com a mesma. Temos alguns documentos que até mostram a postura da Igreja católica em relação à escravidão, que foi introduzida no Brasil a partir da década de 1540, são eles:  contra a escravidão e o tráfico se pronunciam também os papas Gregório XIV (1590-1591), por meio da Bula Cum Sicuti (1591), Urbano VIII (1623-1644), na Bula Commissum Nobis (1639) e Bento XIV (1740-1758) na Bula Immensa Pastorum (1741). No século XIX, no mesmo sentido se pronunciou o Papa Gregório XVI (1831-1846) ao publicar a Bula In Supremo Apostolatus (1839). Em 1888, o Papa Leão XIII, na encíclica In Plurimis, dirigida aos Bispos do Brasil, pediu que apoiassem a abolição da escravidão no País. Estes documentos citados foram expostos após o início da colonização no Brasil. Entretanto, já havia outros documentos, já do século XV, condenando a escravidão praticada pelos portugueses em outras colônias.

Mas se a Igreja católica era contra, como a escravidão persistiu tantos anos? A primeira questão que ajuda a explicar era o Padroado. Presente nas questões jurídicas de Portugal, o padroado consistia em subordinar a Igreja ao Estado, além de nomeações de cargos eclesiásticos, a atuação da Igreja na colônia como a catequese, o dízimo e outras prerrogativas, só eram possíveis sob a permissão do governo. Sendo assim, se a Igreja realmente fizesse um papel intensamente combativo ao processo de escravidão, poderia perder certas benesses. Outra questão que pode ajudar a entender a prática da escravidão era que a pior punição que a Igreja dava era a excomunhão, que cremos não causar tanto medo assim a partir do século XVI, principalmente após a Reforma Protestante.  A prática da escravidão era permissível diante da guerra justa, tanto no Brasil como na África. A guerra justa era a permissão do aprisionamento destes povos mediante sua rebeldia ou ataques contra os brancos, por isso, seu cativeiro seria uma forma de levar aos mesmos a catequização e o tirar da selvageria com a prática laboral e ensinamentos da educação europeia.  No Brasil, tal prática era até aceitável, pois muitos povos indígenas não queriam renunciar sua cultura e mantiveram-se rivais dos portugueses. Todavia, isto não se aplicava ao negro africano, pois o europeu não adentrava em seu território para capturá-lo. Já era uma prática africana entre seus povos e os europeus se inseriram neste contexto por meio da comercialização dos povos vencidos e aprisionados e depois traziam para o Novo Mundo com o intuito de apresentar a salvação e uma mudança de vida, ou seja, aculturação.  Os comerciantes justificavam que era mediante a guerra justa e a Igreja não contestava a forma da aquisição.

Em seu livro, A Igreja Católica na formação da sociedade Brasileira, Riolando Azzi mostra que justificativa religiosa, de cunho cristão, estava presente na utilização da prática escravocrata, que eram: a necessidade do trabalho como punição divina ao pecado original, a marca de Caim e a marca dos descentes de Cam, filho de Noé que tripudiou do pai após o dilúvio.  Em vista disto, sobre os portugueses não recai nenhuma culpa ou pecado, pois tal punição já estava determinada por Deus. E como bons cristãos, deveriam seguir para remir os desafortunados.

O historiador Victor Hugo Monteiro Franco, em sua pesquisa que se tornou o livro, Escravos da religião, mostra que em uma fazenda administrada pelos beneditinos no século XIX havia os escravos da religião. Ou seja, eles não pertenciam a nenhum senhor em particular, no caso uma pessoa física, mas sim uma entidade.  Segundo o autor:

“Parece simples, mas não é. A situação geral da escravidão no Brasil é de escravos privados, de senhores leigos. No caso dos ‘da religião’, eles não pertenciam a um monge específico, eram de propriedade coletiva. E isso teve repercussões na vida dessas pessoas para sempre, porque influenciava na forma, no dia a dia deles”.

Franco ainda acrescenta:

“Os monges conheciam cada momento, cada fase da vida dos seus escravizados. Por mais que as propriedades fossem enormes, eles tinham o controle administrativo sobre aquelas pessoas, ao contrário dos senhores leigos, que muitas vezes tinham um contato muito pequeno com os escravizados”.

Em 1871, ano da assinatura da Lei do Ventre Livre, os beneditinos possuíam 4 mil escravos. Ou seja, num período em que o abolicionismo estava em voga e toda a sua luta.  Outro historiador contribuiu com o assunto ao analisar que não só o clero fez uso da escravidão como seus números de escravos eram consideráveis, graças ao incentivo da natalidade. A escrava que desse à luz a seis filhos, seria beneficiada com trabalhos menos penosos. Foi o que apontou Robson Pedrosa Costa em seu livro, Os escravos do Santo. Retornando a pesquisa de Franco, ele apontou que as crianças eram registradas pelos beneditinos como sem pai. Isto não quer dizer que as mulheres eram libertinas, mas sim que não haveria reclamação sobre quem de fato pertenceria a criança, ainda mais se o pai fosse de outra fazenda.  Portanto, nem o sacramento do casamento eram concebidos a estes.

Retomando aos protestantes, ao migrarem para o Brasil com mais intensidade no século XIX, os de origem estado-unidense trouxeram consigo o debate que travaram em sua terra natal, os nortistas eram abolicionistas e os sulistas eram escravistas.  Muitos vieram após a Guerra de Secessão.  Os que defendiam o abolicionismo, não entraram em um embate mais político formal e de caráter nacional. Justificavam que a escravidão era um roubo e que sua fé não podia compactuar com o mesmo. Já outros argumentavam que a escravidão era uma forma de libertar os negros, isto é, sua alma e libertar das falsas doutrinas.  A Primeira Igreja Presbiteriana do Rio Grande do Sul, não aceitava e seus quadros quem era escravista. Entretanto, essa medida veio num momento que era véspera da Lei Áurea.  O protestantismo focou mais em mostrar como a Igreja católica era atrasada do que um real e amplo processo de luta pelo fim da escravidão. O que reforça mais o caráter de integrar o negro na fé.

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