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O que você precisa entender para deixar de achar que o avanço da Inteligência Artificial será o Apocalipse?

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O texto dessa semana é de autoria do professor e psicólogo Rodrigo Leão (@rodrigoleaopsi). Um tema muito pertinente e que aguça nossas curiosidades.

Parte I – Um pouquinho de história

Desde que o mundo é mundo o desenvolvimento tecnológico vem auxiliando o ser humano a viver com mais conforto. A capacidade de desenvolver tecnologias apoiadas em matéria orgânica e inorgânica no meio ambiente não é exclusividade da nossa espécie. Um exemplo simples que ilustra esse fato é a construção de um ninho pelos pássaros, como o João de barro.

Desde o desenvolvimento da imprensa, por Gutenberg, e as revoluções científica e industrial, tivemos uma combinação de fatores que promoveram: queda da mortalidade infantil, aumento da expectativa de vida, redução do número de analfabetos, migração massiva de pessoas dos campos para as cidades, aumento drástico da população humana na Terra, duas guerras mundiais e a instituição da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Esses avanços se estabeleceram anteriormente a uma série de eventos muito importantes que ajudariam a ditar a revolução cibernética que se desdobraria no mundo a partir da segunda metade do século XX, as conferências Macy. De acordo com a página em inglês da Wikipédia, estas conferências foram um conjunto de encontros envolvendo estudiosos de várias disciplinas realizados em Nova Iorque sob a direção de Frank Fremont-Smith na Fundação Josiah Macy, Jr, começando em 1941 e terminando em 1960. O objetivo dessas conferências era a promoção de uma comunicação significativa entre as disciplinas científicas e restaurar a unidade da ciência. As conferências Macy trataram de vários tópicos, mas em especial do surgimento da cibernética.

Em paralelo ao evento, e se apoiando nele, houve dois fatos importantes: o surgimento em paralelo, nos anos 50, das ciências cognitivas e da inteligência artificial.

À época, a capacidade de processamento do melhor computador era infinitamente inferior à de um smartphone de 300 reais que você encontra em qualquer esquina hoje em dia. Ao mesmo tempo, as ciências cognitivas escolheram o paradigma de trabalho menos frutífero, descartando a importância do cérebro e da biologia no estudo das representações mentais. Atualmente, é inconteste a importância do cérebro na psicologia humana e não-humana.

Ainda, atualmente, acontece o encontro dessa inteligência artificial, agora amparada por processamento pesadíssimo, e de modelos baseados no funcionamento neurocognitivo (representações mentais que são produto e modificam a estrutura e a atividade do cérebro).

Parte II – Por que adoramos um futuro distópico?

Recentemente, tive acesso à uma matéria de 2018 da Revista Época Negócios com a seguinte chamada: “Uma nova classe de pessoas deve surgir até 2050: a dos inúteis“. A matéria jornalística versa sobre as previsões realizadas pelo professor Harari (autor do livro Sapiens). Basicamente, o texto fala do surgimento de uma classe de pessoas que não estará capacitada para trabalhar nesse novo mundo baseado em algoritmos. /Supostamente/ sem renda, Harari propõe alternativas inovadoras que incluam essas pessoas.

Historicamente, diante de uma revolução tecnológica muito profunda, sempre houve o medo de que o modelo antigo de trabalho da maioria acabasse e o novo modelo de trabalho piorasse a vida da maioria da população humana. Isso aconteceu com as máquinas a vapor, com os computadores, etc. Ou seja, há um padrão da nossa espécie de temer mudanças importantes na nossa forma de trabalhar. Evidente que hoje como a tecnologia é empregada em escala global e com velocidade impressionante, esse medo de nos tornarmos inúteis frente à tecnologia vem aumentando, tornando-se uma preocupação real nas projeções do trabalho humano para um futuro que está logo ali na esquina.

Em princípio, poderíamos entender esse cenário distópico em relação à inteligência artificial como mais um medo infundado, afinal isso já aconteceu outras vezes, como foi dito anteriormente. Ou seja, sempre que acreditamos que o modelo de trabalho antigo que é substituído gerará pobreza para a maioria no futuro, acontece o padrão oposto. No entanto, em relação à inteligência artificial, temos um elemento em particular – a substituição do bem mais bajulado da nossa espécie, a própria inteligência.

Parte III – Cérebros biológicos versus cérebros de silício

Você já viu o filme “Eu, robô?“, protagonizado por Will Smith ou ouviu falar da trilogia literária “Fundação“? Se não, recomendo. Essas obras são de autoria do pensador e autor Isaac Asimov. No século passado, ele se tornou muito popular por escrever textos futuristas, tão importante que acabou tendo suas três leis da robótica descritas em seus textos convertidas em três leis de segurança da ciência da robótica no mundo real. E, de fato, parece que o problema da dominação das máquinas sobre nós humanos (como propõe o filme Matrix) não é o maior dos problemas. Apesar de ser um problema!

Estabelecido que não seremos escravos de androides com forma humana ou robôs inteligentes (continuaremos escravos voluntários de outros Androids), fica o problema econômico ligado ao trabalho. Em 2050 não precisaremos de tantas pessoas humanas no mundo do trabalho porque cada vez mais rotinas de trabalho serão automatizadas (ex: certas atividades de advogados, médicos, contadores, motoristas, etc) e porque a inteligência artificial será mais eficiente do que a inteligência humana em várias atividades (ex: o grosso da indústria criativa). Ou seja, pela primeira vez na história da nossa espécie, não só os nossos músculos serão substituídos pela tecnologia, mas a criatividade dos nossos cérebros.

Nesse cenário, teremos basicamente três tipos de cérebros: os de silício (matriz material inorgânica), os mais adaptados ao mundo online e os menos adaptados ao mundo online, consequentemente mais propícios ao mundo offline (matriz material orgânica). Além disso teremos dois extremos: o incremento dos dispositivos cérebro-máquina (projeto que busca integrar fisicamente corpo humano e computadores) e as populações nativas isoladas que só têm acesso ao mundo offline.

O público-alvo que eu comentei na parte II desse texto, a geração dos inúteis, prevista pelo prof. Harari virá do grupo de pessoas que eu acabei de chamar de cérebros menos adaptados ao mundo online. Quem serão essas pessoas? Serão pessoas que em 2050 estarão na faixa da população economicamente ativa (18 a 65 anos, pelo menos), ou seja, todo mundo com menos de 25 anos, em 2020, estará nessa realidade, sendo vulnerável o grupo de pessoas que não desenvolver a capacidade de trabalhar com dados e tecnologia.

Quais medidas estão sendo adotadas para minimizar isso?

O PISA que é uma espécie de conjunto de índices e diretrizes ligadas à OCDE está projetando competências comportamentais e reformas curriculares nas escolas para serem implementadas para ontem nas escolas dos países ao redor do mundo. Dessa discussão, o que é preciso saber? Como os negócios e as profissões de 2050 não foram criados, é preciso treinar essas pessoas com menos de 25 anos hoje em competências que as permitam trabalhar em grupo, se adaptar a trabalhos novos, e lidar com tecnologia e dados.

Estão sendo propostas formas de distribuir o impacto dessa substituição da força e inteligência de trabalho humanas de uma forma mais progressiva (ex: a discussão atual no parlamento europeu sobre a indústria 4.0).

O conflituoso debate de novas formas de ocupar, monetizar, e quem sabe sustentar essa geração de inúteis de 2050 (A proposta da renda básica universal nos EUA e Europa estão mirando isso).

O que sabemos?

Devido ao nível de escalabilidade logística e difusão tecnológica de negócios e comunicação que temos atualmente, se os gigantes de tecnologia (Google, Amazon, Facebook, etc) quiserem acelerar esse processo de substituição de modelo de trabalho, eles têm capacidade para isso. Nesse sentido, estão sendo discutidas medidas antitruste, com a finalidade de controlar o monopólio dessas gigantes. Tais políticas podem regular o poder dessas empresas, impedindo-as de se tornarem um conjunto de “governos globais paralelos” num futuro próximo.

Parte IV – Sobre a (in)utilidade humana

O grande medo da inutilidade no nosso sistema é a perda da qualidade de vida que o capital propicia. Mas, a história humana é a história da produção de inúteis. Pense nos velhos, atualmente. Apesar de serem importante fonte de sustento das famílias, como uma parcela significativa deles não consegue mais trabalhar por questões físicas ou cognitivas, são vistos como inúteis, um peso social. Há inúmeros outros exemplos, doentes físicos e mentais crônicos, usuários crônicos e disfuncionais de drogas lícitas e ilícitas (questão de saúde pública que ainda é tratada no campo do crime e da moral), entre outros.

O que me anima em relação a esse cenário é a lembrança da praça central de Djemaâ el Fna (Marrocos), que visitei há uns anos. Lá, o comércio tradicional é feito a despeito do Mcdonalds. Eles preferem ficar com seus sucos de laranja nas barracas e lajes dos restaurantes marroquinos, em cafés franceses de meados do século XX, fruto de sua história de colonização imperialista francesa na África. Lá, é uma ofensa você não negociar menos de 10 minutos por um produto com os vendedores locais. Sim, há bancos, Wi-Fi e iPhones, mas aquele povo que conjuga o jeito de fazer comércio dos povos originários do Oriente Médio, produtos chineses, línguas marroque, bérber, francesa, e solo africano, representa o espírito da nossa espécie. Ao observarmos seu comportamento, surge a certeza que a maior parte da população mundial não passará por um apocalipse por causa da inteligência artificial, pelo contrário, continuará encontrando no mundo e na cultura uma rede maior de tradições e significados de vida.

Referências:

https://epocanegocios.globo.com/…/uma-nova-classe-de-pessoa…

https://www.cnbc.com/…/universal-basic-income-is-no-solutio…

https://finance.yahoo.com/…/antitrust-facebook-google-amazo…

http://www.europarl.europa.eu/…/docum…/A-8-2017-0183_PT.html

http://inep.gov.br/pisa

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