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Buffoniando

Da escravização ao Abolicionismo: Do sentido das palavras às atitudes históricas

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Luis Gama
Foto: Reprodução/Google

O presente texto é uma contribuição de um grande amigo, Cidão. Cidney é professor de história e leciona na rede pública e privada no Rio de Janeiro, além de ser um estudioso do tema. Uma parceria de imensa contribuição.

 

 

O processo de submissão de indivíduos a condição de escravizado, acompanha boa parte do histórico da humanidade. Em se tratando de continente africano, faz-se necessário estabelecer alguns parâmetros para ampliar a compreensão, partindo do Egito Antigo e chegando a era cristã.

Dentro desse processo alguns Reinos africanos por volta do século IX estabeleceram contato com povos Árabes islamizados e, no século XV com os cristãos portugueses por conta das grandes navegações. Os objetivos eram a exploração de riquezas, seja na forma de metais preciosos e especiarias, sendo inserido no rol de atividades lucrativas o tráfico humano intensificado com o estabelecimento da Empresa açucareira no Brasil.

No século XV quando os portugueses chegaram ao litoral africano o comércio apresentou-se como fonte extremamente lucrativa de ganhos. Só nos primeiros anos Portugal buscava no litoral da Guiné uma média de 5 a 600 escravos por ano. Já no século XVII esse número saltou para 30.000, atingindo no século XVIII apogeu da exploração de ouro, diamantes e açúcar no Brasil a impressionante cifra de 80.000 escravos por ano. (TEIXEIRA, Francisco Carlos, in História Geral do Brasil 2000: p.53).

A dinâmica econômica imposta por Portugal na América exigia uma quantidade expressiva de mão-de-obra cuja exploração produziria riquezas a serem transferidas para a metrópole.  Ao longo desse processo os negros substituíram progressivamente os indígenas, pois estes foram sequestrados em seu continente de origem, separados de suas famílias, escravizados e submetidos a toda sorte de tortura física e ou psicológica, desenvolvendo desde cedo inúmeras estratégias de resistência. Então, se buscamos entender o sentido de abolicionismo devemos fazê-lo nas fugas, nos suicídios, assassinatos, abortos e formação dos quilombos além das manifestações religiosas.

Diante disso, algumas fissuras foram produzidas pela resistência do negro africano, dentre elas, a empresa açucareira, foi à brecha camponesa, cessão de um pequeno lote de terras ao escravizado para que se pudesse cultivar reservando pequena parcela do produzido para si. Ao longo da mineração se desenvolveu a modalidade conhecida como escravidão de ganho, onde esse negro era “liberado” pelo senhor para realizar algumas atividades nos centros urbanos.

Os ditos incentivos positivos também foram percebidos nos investimentos intelectual e espiritual dispostos aos cativos. No primeiro, a instrução primária e o ensino de “profissão”, dentre essas: pedreiro, carpinteiro, ferreiro, sapateiro, barbeiro, carroceiro, barqueiro, cozinheiro, refeitor (aquele que serve refeições), alfaiate e marceneiro. (PACHECO, Paulo Henrique Silva. In Escravidão africana no Recôncavo da Guanabara séculos XVII-XIX, 2011: p.77)

Remunerado por essas atividades o negro não só sustentava seu dono como também acumulava quantias que lhe garantia moradia e subsistência na urbe, possibilitando projetar a compra da sua alforria. Na passagem do século XVIII para o XIX, o Rio de Janeiro além do status de Capital da colônia era a região com maior concentração de cativos da América com certa liberdade de circulação, o que não minimizava as tensões com as autoridades policiais.

A dificuldade maior de controle sobre os negros residia em identificar os que estavam autorizados pela municipalidade ao ganho e os fugitivos, a geografia da capital com seus morros e matas além da facilidade de deslocamento para freguesias mais distantes, assim como, uma rede de cumplicidade construída com comerciantes que adquiriam produtos dos quilombos existentes na região contribui também no desgaste progressivo da escravidão.

No bojo dessas relações internas conflitantes é acrescentada na década de 1830 do século XIX, a pressão da Inglaterra para que o tráfico negreiro e posteriormente a escravidão fosse extinta no Brasil. Situação que originou em 7 de novembro de 1831, a Lei Feijó (popularmente conhecida como Lei para Inglês Ver), proibindo o tráfico negreiro com poucos efeitos práticos, devido aos interesses econômicos em torno da escravidão, o que garantia a produção cafeeira no Vale do Paraíba Fluminense.

Em 1845 o parlamento inglês aprova medidas mais severas de combate ao tráfico transatlântico chamado Bill Aberdeen, essa medida foi acompanhada pelo desespero dos produtores que intensificaram a busca pelo negro, situação explorada pelos traficantes que reajustaram o preço do escravo de tal forma que muitos senhores adquiriram enormes dividas para com estes. Esse fato contribui para a aprovação da Lei Euzébio de Queiroz em 1850, onde as autoridades passaram a agir mais intensamente contra essa atividade. A solução para a carência de mão de obra foi suprida de duas formas tais como, o tráfico interprovincial e a imigração que cumpriria um duplo papel, fornecer trabalhadores para a lavoura do café e ao branqueamento do brasileiro.

O debate acerca da abolição da escravidão acirrou no contexto da Guerra do Paraguai, a mobilização em torno da defesa do Brasil frente ao inimigo externo produziu um sentimento de identificação e nacionalismo até então inexistente.

A guerra agitou todo o país, constituindo-se em poderoso elemento integrador, e despertando um sentimento patriótico nunca visto antes em escala nacional. Cerca de 50.000 pessoas que provinham de todos os cantos do país, o que permitiu que pela primeira vez, entrassem em contato, se conhecesse e lutasse juntos por uma causa comum brasileiros de origens geográficas, social e cultural as mais distintas. (BASILE, Marcelo Otávio. N de. In História Geral do Brasil, 2000. p. 263).

Esse conflito contou com a participação decisiva de expressivos contingentes negros e ao seu final os círculos intelectuais e juristas intensificaram as criticas a escravidão com destaque para figuras como Luís Gama, José do Patrocínio e Joaquin Nabuco autor da obra O Abolicionismo. Nesta obra, se auto proclamava imbuído de um mandato da raça negra, mas que carregava em seus escritos a visão preconceituosa predominante na elite branca acerca da condição do escravizado, assim como do futuro liberto.

Os motivos pelos quais se deveria acabar logo com a escravidão: economicamente, porque era responsável pelo atraso econômico brasileiro, ao inviabilizar o desenvolvimento industrial, o comercio, a imigração estrangeira a rentabilidade agrícola e a valorização do trabalho, criando uma riqueza instável e promovendo a imobilização e a concentração de capital; socialmente a escravidão, seria responsável pela desagregação da família, pela disseminação de doenças e pela contaminação da raça brasileira. (BASILE, Marcelo Otavio. N de. In História Geral do Brasil, 2000. p. 286).

Nas trincheiras do trabalho cativo, os negros desenvolviam diversas estratégias para conseguir sua liberdade desde as já usuais passando a contar com apoio de elementos brancos organizados em grupos como os caifazes, que incentivavam fugas e a formação de quilombos e, também a ação na justiça cuja base argumentativa era a Lei de 1831. Não cumprida pelas autoridades, assim como, a acumulação de recursos para comprar à liberdade de membros da família escravizada, com destaque a prioridade dada às mães, estando liberta também estaria seu ventre, essa ação se antecipa a inócua Lei do Ventre Livre de 1871, que ao mesmo tempo estabelece a abolição dos ventres, traz dispositivos favorecendo a manutenção da exploração sobre aquele que deveria ser liberto.

Na década de 1880, os ânimos se acirram e o deslocamento constante de negros entre as províncias criou um novo ambiente de tensão para os senhores, no campo politico o Império passa a advogar a causa da abolição devido às pressões internas e externas, porém os escravocratas não se sentiam nada confortáveis por motivos óbvios com essa postura e buscaram obstaculizar o fim da escravidão. Fato comprovado na aprovação após boicotes sistemáticos da Lei do Sexagenário de 1885, nesse contexto foi composto pelo Maestro Manuel Tranquilino Bastos aquele que viriam a ser o hino da abolição.

Brasileiros, cantai liberdade!

Nossa pátria não quer mais escravos

Os grilhões vão quebrar-se num povo

De origem somente de bravos!

Em tudo inspira a santa voz da liberdade

No mar, na selva, na imensidade E já no céu se vê escrito em letras d’ouro Redenção ao cativo! É seu tesouro! O jugo do servilismo Role em pedaços no chão Pise altiva a liberdade! Sobre o pó da escravidão.

Abaixo a crença do velho atraso Que dos cativos venceu-se o prazo Quebrem-se os ferros da tirania Sejamos todos livres um dia.

Nosso trono há livre e altaneiro Alvorar o liberto perdão E Dom Pedro sentado no trono Bradará liberdade à nação Rompa-se o verso infamante À custa de esforços mil Deus não quer, nós não queremos Que haja escravos no Brasil De Rio Branco surgiu a ideia De Souza Dantas a epopeia Pedro Segundo, tua equidade Seja a coroa da liberdade. (BASTOS, Manuel Tranquilino. Revista Cultura Negra. Trajetórias e lutas de intelectuais negros).

 

Em 13 de maio de 1888, foi aprovada e sancionada a Lei Áurea, por Princesa Isabel, que objetivamente libertou cerca de 700 mil escravizados pese a empolgação de alguns setores sociais envolvidos no processo legal da abolição presente na canção. A condição que foram submetidos os negros foi a de marginalização situação que acompanha a história desse grupo desde que foram trazidos para o Brasil extensivo aos seus descendentes, rotulados como classes perigosas forçados a habitar espaços precários e sem infraestrutura adequada. E, com a escassa presença do Estado, a não ser pela forma violenta na maioria dos casos, a luta pelo abolicionismo dos afro diaspóricos aqui é uma constante.

Cidney de Oliveira Inácio, professor de História. Mestre em Letras e Ciências Humanas.

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