Buffoniando
Escombros e vira-latas

A coluna Buffoniando possui a missão de trazer textos informativos e/ou reflexivos sobre as questões que envolvem o ser humano. Assim como, também abrimos espaços para parceiros compartilharem conosco seus textos. E hoje, Ingrid Lacerda nos oferece seu olhar e sua reflexão.
“Não tem mais nada para fazer não?”
O menino que até então estava de cabeça baixa, com os ombros encolhidos e os dedos trêmulos, se juntou ao outro que revirava uma caçamba de lixo. Ele revirava o meu lixo. O lixo que saia da minha casa.
E eu passei ao lado deles tentando não demonstrar pena, tentei ser indiferente, tentei não ligar e nem fazer contato visual. Não sei se foi para tentar poupa-los de um certo constrangimento que eles eventualmente poderiam estar sentindo, ou se foi para me poupar da vergonha deles estarem caçando a comida que eu joguei fora dois dias atrás.
O Brasil que eu vivo, não é florido, não tem praias maravilhosas, o Cristo Redentor está de braços cruzados e o verde-louro desta flâmula, há muito tempo virou cinza, e tem razão, um filho teu não foge a luta; ele não foge a luta porque ele jamais seria capaz de sequer poder se erguer para a guerra, um filho teu abandonado, esquelético que sequer se mantém de pé.
Quanto vale o privilégio quando ele se mantém alçado por pilastras compostas por ossadas?
Quanto vale a minha indignação e a minha inutilidade se são os ossos que eu jogo fora do jantar que estruturam a belíssima necropolítica brasileira?
É tão mais fácil falar de como a fome esfola a África do que reconhecer a dor dos magricelos cracudinhos da esquina.
E aí eu me pego no ônibus, escorada em uma haste amarela qualquer, e me vem um menino, uma criança, um cachorro, um garoto que estava sozinho no ônibus veio abanando o rabo e com aqueles gigantes olhos de vira-lata, latiu: “tia, eu tô com fome”.
A criança parecia um filhote de cachorro, desses que são abandonados no meio de um mato qualquer e que reconhecem para onde não ir apenas pelo mínimo tremor do asfalto, ela era um desses cães que conhecem de cabo a rabo o lugar onde vivem, onde foram criados ou melhor, negligenciados.
Filhotes esmagados, doentes e sangrentos.
Talvez seja uma comparação extremamente injusta, já que aos cachorrinhos destina-se o mínimo de pena. Tiramos fotos. Divulgamos. Os mais gentis até levam para casa e tratam de arrumar um novo lar aos lindos filhotes.
Mas e aos vira-latas de duas pernas?
Mas e quanto ao cão-menino que revirava o meu lixo?
E quanto a mãe-cadela que os esperava em casa testando a receita que ouvira da milagrosa sopa de pedra?
Ou talvez seria mais apropriada uma sopa de ossos?
Um meio de diversão para os cachorros.
Crueldade a minha, mas o que tem sido o brasileiro senão a espécie mais maltratada dos cachorros?
Porque quando uma população precisa ler na vidraça do açougue que “osso é vendido, não dado”, percebe-se que já fomos sujeitados há muito tempo aos escombros.
-Ingrid Lacerda
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