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Buffoniando

Hollywood e o nazismo

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@buffoniando

“Não é pessoal, Sonny. São negócios.”

O Poderoso Chefão 2 (1974)

  A frase acima é uma das mais famosas da história do cinema. Dita no exato momento em que o irmão caçula Michel Corleone, interpretado por Al Pacino, resolveu ir em uma reunião e dar fim aos rivais dos negócios da família. Naquele momento, contrariando a hierarquia do direito de herdar a liderança e o paternalismo, nasceu o homem que iria manter e ampliar os negócios da família.  A epígrafe não foi escolhida por ser simplesmente famosa. Mas ela resume muito bem toda a lógica que será apresentada mais adiante: são apenas negócios.

  O cinema é entretenimento, aprendizado, momento de reunião, afeta nossas emoções e sentimentos, nos encoraja, nos faz refletir, etc. O poder dos filmes e séries são exorbitantes e estão presentes em nosso cotidiano. Entretanto, nunca devemos esquecer que Hollywood é uma região concentradora de fábricas. Sim! Por mais óbvio que seja, precisamos lembrar que é uma indústria. Ou seja, estão ávidas por lucros. Toda produção é um trabalho e todo trabalho requer sua recompensa, que é o pagamento. Por mais que seja um filme combativo e reflexivo sobre temáticas pertinentes, ainda é um produto a ser consumido e gerador de recompensa financeira e/ou prêmios. Não estamos querendo desmerecer, de modo algum. Pelo contrário, como professor, sempre recomendo filmes para os meus alunos como um instrumento a mais de ferramenta para estudar, principalmente depois de ter tido contato com a obra História e Cinema (1992), do cineasta e historiador francês Marc Ferro, vitimado pela Covid-19 em 2021.

Em 1872, os irmãos franceses Lumière, fizeram um experimento tecnológico em que deram movimento numa sequência de fotos.  Empreendedores fugindo de Nova Iorque e de sua severa política de patentes, migraram para Califórnia, numa espécie de “Marcha para o Oeste das artes”.  Livre dos rigores burocráticos e com um clima ensolarado o ano inteiro, Califórnia tornou-se um oásis para o nascente cinema. Filmes começaram a serem gravados por aquelas terras, até que em 1914 a Paramount fundou o primeiro grande estúdio na região. Na década de 1920, outras grandes empresas se estabeleceram por lá como a MGM e a FOX.

Recentemente, no ano de 2013, após nove anos de muita pesquisa e análise de documentos, o historiador Ben Urwand lançou o seu livro, A colaboração – O pacto entre Hollywood e o Nazismo. Urwand é doutor em História dos EUA pela Universidade da Califórnia e mestre em Cinema e Estudos da Comunicação pela Universidade de Chicago.  Sua obra demonstra como grandes estúdios de cinema dos EUA, promoveram filmes que mascaravam o que era o nazismo de maneira proposital. Não só fecharam os olhos como ajudaram a promover ideais nazistas, tudo para não perder o mercado alemão. Em 1933, Hitler chegou ao poder na Alemanha, o que possibilitou a promoção e a radicalização da arte. O cinema passou a ser um poderoso instrumento de propaganda para a política totalitária e foi usada desmesuradamente. A ideologia nazista achava a arte moderna degenerada e nada conectada com os novos tempos na Alemanha. Por isto, ou as indústrias se adequariam para não perder um importante consumidor de seus filmes, ou fariam uma arte combativa e denunciadora. O caminho escolhido pela MGM, Paramount, Fox e em parte Warner, foi de estabelecer uma “colaboração”, como aponta o autor.

De acordo com as novas diretrizes advindas da Alemanha, o alemão não poderia ser retratado como alguém chucro – algo muito comum nos filmes após a I Guerra -, não poderiam ter estereótipo de vilões brutais, sotaques carregados e nada depreciativo do exército germânico em questão. Em 1932, antes mesmo de Hitler chegar ao poder, mas quando o partido nazista já era maioria no parlamento, foi criado o “Artigo 15” também chamado de “Lei de Cotas”, que poderia proibir a exibição e circulação de filmes que fossem perniciosos para a integridade alemã.  Caso caísse na lista de filmes ruins (não adequados para a Alemanha), a obra não seria apresentada e estaria numa “lista negra”. Filmes com temáticas de liderança, força, união, etc., que coadunassem com o partido e com Hitler, estariam livres para as salas de cinema. Um caso de censura foi o filme, Tarzan. Pois era inadmissível uma mulher branca civilizada ser cortejada por um selvagem. Não pode haver a quebra da pureza de sangue. Tal filme poderia incitar a miscigenação e a quebra do arianismo.

O livro quebra a noção de que nos EUA foram produzidos inúmeros filmes sobre o nazismo e suas atrocidades. Não é que esta informação ou pensamento seja mentira, mas não foi uma verdade até a entrada dos EUA na II Guerra, portanto, já em 1942. Até tal fato ter ocorrido, as grandes empresas cinematográficas cumpriram a cartilha, por vontade própria, do nazismo.  Em 1939, a Warner lançou “Confissões de um espião nazista”, após grande pressão do presidente Roosvelt. No mesmo ano, foi lançado O grande ditador, filme que contou com a atuação de Chaplin e sua imensa luta de expor o nazismo. Como dito anteriormente, as demais empresas continuaram com seu ritmo de produção sem afetar os negócios com o público alemão. De maneira lenta, este cenário foi se modificando.

Ainda na década de 1930, Urwand nos apresenta uma questão crucial em sua análise: o governo alemão implantou um embaixador, George Gysling, que não era somente um responsável por selecionar o que iria para a Alemanha, mas também mantinha presença permanente nos estúdios.  Agora, as produções e seus profissionais não tinham que receber sugestões e críticas de um nazista em solo americano e em seus ambientes de trabalho. A situação só piorou, pois, o embaixador em questão começou a proibir que nos filmes tivessem profissionais judeus nas produções. E é aqui que entra o grande paradoxo mostrado no livro, tais empresas do cinema foram criadas por refugiados judeus que vieram do Leste Europeu e ainda assim, ocorreu a anuência em relação aos produtos feitos por estas indústrias. Mais do que nunca, nesta relação, ficou bem claro que: nada pessoal… apenas negócios.

Como já descrevemos anteriormente, o autor demonstrou que de 1942-1945 ocorreu uma profusão de filmes que criticavam o nazismo. Justamente o período em que os EUA participaram ativamente da guerra. Neste ínterim, sob as ordens de Roosevelt, foi criado o Escritório de Informação de Guerra, em que o governo supervisionava a produção de obras que retratavam o combate e a esperança contra o nazismo começaram a ter mais incidência.  Embora já fosse conhecido as atrocidades praticadas pelos alemães, pois em 1942 já se tinha a ação do holocausto – chamada de “solução final” -, o primeiro filme que abordou diretamente os campos de concentração só apareceu em 1959 em O diário de Anne Frank.

Para encerrar, ainda nos parece bizarro querer coligar o nazismo à esquerda. Não que a esquerda não tenha tido questões hediondas, pelo contrário, o governo de Stalin está aí para nos lembrar. Mas a questão é pensar como o grande capital, de alguma forma, apoiou e patrocinou o nazismo. Vale a pena lembrar que empresas alemãs como a Mercedez, Volkswagen, Simense e Bayer, para ficar em poucos exemplos, atuaram diretamente em favor do nazismo. Do outro lado do Atlântico, também ocorreu uma certa aliança com o regime alemão, e a obra de Urwand nos mostra esta relação do grande capital para com Hitler, sem contar o apoio irrestrito de Henry Ford, um declarado antissemita e proprietário da indústria automobilística, Ford.

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