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Buffoniando

Tivemos campo de concentração?

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Como você responderia a esta pergunta? Sim ou não? Bom, vamos pensar juntos. Quando se fala em campo de concentração, logo o que salta e nossa memória são: Auschwitz, Treblinka, Vasóvia e Balzec, só para citarmos os casos da Alemanha. Em outro texto publicado aqui, explicamos como funcionava um campo de concentração nazista e toda sua tecnologia voltada para a morte. Temos estas referências devido as mais diversas produções de documentários com sobreviventes e os filmes que exploram a temática que nos faz refletir sobre o tema. Podemos mencionar como indicações: A vida é bela (1997), A lista de Schindler (1993), A fita branca (2009) e O menino do pijama listrado (2008). 

Mas isso só existiu no território dominado pelo nazismo certo? Infelizmente não. Embora o nome não fosse o mesmo, a ideia era. Até mesmo no caso alemão, para tentar suavizar o que realmente era, eles chamavam de campos de trabalho. Entretanto, não diziam como era e o que acontecia, sem contar que o trabalho era forçado e que levavam os seus prisioneiros à morte. A frase na entrada de Auschwitz dizia, “O trabalho liberta.” Só não diziam que a libertação era da vida. Stalin, na URSS também fez uso desses campos, que lá eram chamados de gulags. A China de Mao Tse Tung também usou esse expediente, assim como muitos outros regimes totalitários, tanto de esquerda como de direita.

No caso alemão, os enviados tinham um traço étnico muito específico, eram judeus. Uma política de extermínio aos judeus já era descrita mesmo antes de Hitler chegar ao poder, quando escreveu na década de 1920 o seu livro, Minha luta. Assim como os hebreus, também foram alvos de serem mandados para tais campos: opositores políticos, pessoas com deficiência física ou cognitiva, negros, gays, ciganos, etc. Todos aqueles que não eram desejados na sociedade ou que não era produtivo para fazer a Alemanha crescer. Nos demais casos citados, a maioria esmagadora eram de opositores políticos. Não quero dizer com isso, que não ocorria casos como os supracitados.

Então, vamos começar a pensar uma resposta para a nossa pergunta. Se observamos a ideia de uma política de Estado perpetrada com essas intenções, a resposta é não. Mas, se analisarmos o modus operandi, a resposta é sim. A questão é, que até bem pouco tempo atrás, tínhamos  campos de concentração travestidos de estruturas da saúde. Ou seja, (os manicômios – ou hospitais psiquiátricos. Caso você nem imagina como era um manicômio, basta lembra do Asilo Arkhan, dos filmes do Batmam ou da série Gothan) ou um mais clássico dentro da ficção, o hospital psiquiátrico do filme Drácula, de Bram Stoke (1992).

A pergunta em questão, uma vez respondida, não foi respondida por mim. Mas sim por pesquisadores que denunciaram e retrataram as mazelas vividas pelas pessoas internadas nestas instituições, como: Daniela Arbex (Holocausto Brsileiro, 2013), Hiram Firmino (Nos Porões da Loucura, 1982) e Helvécio Ratton (Em Nome da Razão, 1979).  A primeira obra citada foi também produzida em documentário e está disponível no YouTube. E aqui iremos nos debruçar no trabalho produzido por Arbex.

Tanto o livro como  documentário nos impacta de uma forma que, ao terminar de ler ou assistir ficamos catatônicos e descrentes de como uma realidade assim sempre esteve perto de nós. Não é sobre somente o hospício citado na pesquisa citada anteriormente, mas de como esta realidade repetiu-se pelos mais variados manicômios espalhados pelo Brasil e pelo mundo. O relato sobre o caso de Minas Gerais é  significativo pelo fato de ter sido a maior instituição desse tipo.  O Hospital Colônia de Barbacena, ou simplesmente Colônia, foi fundado em 1903  e foi atuante até o final dos anos 1980. A primeira questão que ressalto é a distância. Barbacena fica distante do grande centro, Belo Horizonte, num total de 172,2 km, e isto possui uma razão: ter distante o que não é desejado na sociedade. Assim, o difícil acesso e o fato de ser longínquo permitia que fosse esquecidos e que as visitas fosse raras, além de não querer saber dos que estavam lá.

Antes de 2001, com o advento da Reforma Psiquátrica e a mudança para um manejo e novas ações terapêuticas para os que possuem algum transtorno menta, era muito fácil internar alguém. Bastava alguma denúncia ou criminalização que a pessoa seria internada compulsoriamente. Um bom exemplo disso é o filme Bicho de Sete Cabeças (2000), em que um jovem usuário de maconha foi internado de forma forçada e nele foram aplicadas as mais variadas drogas e tratamentos desumanos, mesmo não tendo nenhuma desordem mental. E ainda temos uma questão crucial, o filme é uma adaptação de um livro que é uma história real escrita por quem vivenciou o fato.

Mas quem ia para Colônia? A resposta é simples, todos os indesejados, como: LGBTQ+, mulheres que engravidavam de seus patrões (ou por sexo consentido ou por estupro) – pois fiaria feio justificar uma criança fora do casamento, além de desacreditar que a mulher esta grávida de alguém importante – , mendigos, dependentes químicos, pessoas com deficiências (de todos os tipos), portadores de transtornos mentais, mulheres que agredissem seu companheiro, mulheres progressistas, prostitutas, idosos, outras pessoas da família para não repartir a herança, etc. E como essas pessoas iam para lá? Ou eram levados pela própria família, ou pagavam para alguma ambulância ou viatura levar e até mesmo o serviço policial fazendo uma limpa na cidade, daqueles indesejados, e colocavam essas pessoas num trem direto para Barbacena. O trem ficou conhecido como Tan Tan, além de ter inspirado o cantor e compositor, Lô Borges, escrever em 1972 a música, Trem de doido.

Embora não esteja mais em funcionamento, ainda há sobreviventes em Barbacena e também estão vivas, pessoas que trabalharam lá. Os relatos se casam e a veracidade nos deixam perplexos. Colônia foi um local em que faziam experiências em seres humanos; os tratamentos com choques eram cotidianos e levavam ao óbito; as pessoas muitas vezes não tinham roupas e se agrupavam nos dias de frio e a morte por hipotermia ou por estar sufocado com pessoas em cima de si, não era raro; dormiam no chão, pois não tinha leito para todos; a alimentação era de qualquer jeito ou não tinham e não era raro comerem ratos e outros animais, além dos que morreram de fome. As pessoas que não eram loucas, não era difícil ficarem. Outa questão, para além do abandono familiar e todas as mazelas ditas, quase dois mil corpos de pessoas que faleceram no hospital, foram vendidos como “peças” para universidades com o objetivo de serem corpos para os estudos anatômicos.

Retomando a pergunta inicial, não tivemos um campo de concentração como politica estatal, mas tivemos como prática. Aliás, tivemos no sentido de que, todo lugar que teve um hospital psiquiátrico, teve um campo de concentração. O que realmente tivemos foi uma ausência de direitos e proteção para com essas pessoas. Ou seja, a cidadania não atingia aos mesmo que experimentaram esta existência. Os horrores da Segunda Guerra, as imagens dos campos e os relatos dos sobreviventes, deram início ao movimento antimanicomial e a necessidade de mudar o tratamento com os que precisam e não precisam de internação. Hoje, para se internar uma pessoa é preciso um laudo mutidisciplinar. A internação compulsória no Brasil acabou em 2001 com a Lei n° 10.216/2001, conhecida como Lei Paulo Delgado. Desde então, foram criados os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), que prestam um tratamento aos que não precisam ser hospitalizados e permanecem no convívio social da família, do bairro, da escola, igreja, etc.  Outra grande novidade foram as Residências Inclusivas (RI). Tanto os CAPS como as RI oferecem todo tipo de acompanhamento necessário para o desenvolvimento daqueles que necessitam do serviço, além de serem instituições localizados nos grandes centros e sem nenhuma pecha pejorativa e mantendo integrados na sociedade

“Dizem que sou louco por pensar assim
Se eu sou muito louco por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz”

(Mutantes,1972)

 

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